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Trabalhadores do clique em países como Quênia e Colômbia realizam tarefas essenciais para treinar IA, mas enfrentam jornadas longas, baixos salários e exposição a conteúdos traumáticos (Foto: Divulgação)
Por: Editorial | 17/10/2025 07:54
Enquanto os sistemas de inteligência artificial generativa se tornam cada vez mais avançados, milhões de trabalhadores espalhados pelo mundo realizam o que especialistas chamam de “trabalho do clique” — classificar, identificar e revisar dados que permitem que carros autônomos reconheçam pedestres, robôs conversacionais como o ChatGPT se expressem naturalmente e sistemas de moderação filtrem conteúdos violentos ou pornográficos.
Para Ephantus Kanyugi, do Quênia, isso significa olhar cadáveres, dar zoom em feridas e etiquetar imagens de crimes sem qualquer apoio psicológico, por tarefas que pagam centavos de dólar. Já Oskarina Fuentes, venezuelana que trabalha na Colômbia, recebe entre 5 e 25 centavos de dólar por tarefa, apesar de lidar diariamente com conteúdos sensíveis. “Somos como fantasmas, as pessoas não sabem que existimos, que somos nós que ajudamos com o avanço tecnológico”, lamenta.
O mercado de anotação de dados é global e crescente. Em 2024, movimentou US$ 3,77 bilhões (R$ 20,5 bilhões), devendo alcançar US$ 17,1 bilhões (R$ 93,1 bilhões) até 2030, segundo o Grand View Research.
Condições de trabalho e denúncias
Esses trabalhadores enfrentam jornadas longas, baixos salários e risco de problemas físicos e psicológicos, como ansiedade e depressão. Muitas vezes, não recebem pagamento ou são desligados sem aviso. Em alguns casos, precisam lidar com conteúdos altamente traumáticos, como instruções sobre suicídio ou crimes.
Empresas como Scale AI e suas filiais, que atendem OpenAI, Microsoft e o Departamento de Defesa dos EUA, foram alvo de denúncias por expor trabalhadores a conteúdos sensíveis e não oferecer suporte adequado. Denúncias semelhantes foram registradas contra a GlobalLogic, ligada ao Google, e a SurgeAI, parceira da Anthropic.
Embora essas companhias afirmem fornecer programas de saúde mental, escalas salariais transparentes e possibilidade de pausas, especialistas destacam que a maioria dos anotadores atua em contratos curtos ou como autônomos, sem proteção social, sendo tratados como um subproletariado digital.
Iniciativas e regulamentação
No Quênia, a Data Labelers Association planeja lançar um código de conduta exigindo remuneração justa, pausas obrigatórias e suporte psicológico. Mas especialistas alertam que a indústria muitas vezes obriga acordos de confidencialidade que limitam denúncias.
Na Europa, apesar da regulamentação sobre IA, ainda não há normas específicas para proteger esses trabalhadores. A eurodeputada francesa Leïla Chaibi ressalta que o setor continua sem reconhecimento formal e proteção legal, mesmo sendo essencial para o avanço tecnológico.
Impacto e reconhecimento
O sociólogo Antonio Casilli explica que, enquanto a IA depender de aprendizado supervisionado, verificação humana será indispensável. “Os gigantes tecnológicos não podem construir o futuro sobre uma força de trabalho descartável”, afirma Christy Hoffman, da federação sindical UNI Global Union.
Milhões de pessoas realizam esse trabalho essencial, mas invisível, mantendo a operação de inteligências artificiais globais. Especialistas defendem que os anotadores de dados deveriam receber reconhecimento equivalente ao de qualquer outro emprego formal, com salários dignos, proteção social e condições de trabalho seguras. Com informações: IstoÉDinheiro
